domingo, março 11

A tristeza de escrever


Falava no outro dia sobre artistas. Músicos, poetas, escritores e pintores...pessoas para quem a angústia, a tristeza e o desespero são combustível de grandes obras. A ausência de dor traz uma apatia, um silêncio artístico. Consequentemente essa aparente felicidade chega com uma dose de frustração...suficiente apenas para alimentar o desespero, mas incapaz de produzir qualquer tipo de conteúdo. 
Não me considerando uma artista, vejo-me reflectida neste fenómeno. Há anos que deixei de escrever. Porque há anos que as noites se passam tranquilas e há noites que as insónias não me atormentam. O desespero de dias passados desapareceu e com ele foi-se a ânsia de escrever, as palavras que saíam naturalmente e sem controlo. É verdade que a felicidade trouxe muitos momentos de inspiração em termos criativos, mas é sabido que as emoções mais negativas, são também aquelas que trazem as músicas mais belas, os poemas mais sentidos...talvez porque traz consigo a solidão, a introspecção e a reflexão que a felicidade anula. 
Porém, estar constantemente preso à infelicidade, sufocado e limitado por essa infelicidade, traz uma falsa sensação de segurança em termos criativos. Ao julgarmos que estamos a alargar os nossos horizontes, estamos apenas a fechar-nos numa pequena concha. É verdade que a felicidade abala o mundo de quem cria, mas não é diferente de qualquer outra mudança. Estamos confortáveis naquela tristeza que abominamos, usamo-la da melhor maneira que sabemos, aprendemos a viver com ela, até que deixamos de saber lidar com uma nova realidade, quando ela surge.
Deixei de escrever. Algo que sempre me preencheu, sem o qual não conseguia passar os dias. Sempre precisei de escrever e sempre tirei um grande prazer de cada linha que surgia das minhas mãos, da minha mente...das minhas angústias e do meu eu mais profundo. Não foi algo repentino, fui deixando de escrever durante dias, semanas e, eventualmente, as semanas transformaram-se em meses e os meses em anos.
O tempo passou e eu aprendi a ser feliz. Tenho um vazio deixado pela escrita, que tenciono voltar a preencher. Cresci e aprendi a conhecer-me, a interpretar-me e agora sei que não preciso de me fechar na concha para me conseguir libertar. Tenho muito que aprender, muito que crescer e muitos horizontes por explorar. A nossa existência não é tão linear como "alegria" e "tristeza", "noite" e "dia". Devemos, sim, aprender a vislumbrar cada um no seu tempo, na sua essência, na sua existência, que nunca é total nem inexistente.